sábado, 19 de dezembro de 2009

Extra-alcance


Todo mistério é tempo
é paixão que é vento
sopra adiante, finda
soprando o aumento
vivendo à berlinda.
Todo passo é concreto
cada instante é cimento
o que aglutina o secreto
ao prévio momento.
Fiz, faço, aconteço
meu cadarço, meu tropeço
meu destino é meu filho
a esperança, empecilho.
Há de se ter cuidado!
Seus transes são pirados
haja o que houver
tem dons aglomerados
venha o que vier
protejam-se ao seu lado
ao conjunto bem criado
mistério perfeito, mulher.
Nem olhos, nem mente
nem coração, nem gente
não se pula o muro
não atrasa, não adianta
noutro lado se chega
palmilhando no escuro.

quinta-feira, 3 de dezembro de 2009

Agridoce

É um caminho sem rastros
a própria deriva dos passos
numa semi insensatez
vivida na sombra dos fatos
insidiosa beleza da tez.

Seja antítese, seja sinestesia
veneno doce, dor e anestesia
inconstância metaforizada
é uma quimera recalcada
que assusta, que alicia.

É a descrição que se revoga
é penumbra, é transição
é aquela que sacia e afoga
a incólume erupção.

Não é porta, nem janela
curioso e proibido vão
prazer e perigo nos lábios delan
os olhos a persuasão
sedutora, sagaz, singela.

Ela tem o verso que me cala
na sede que me inocula
Bruma excita e encabula
Brum com minha prosa acasala.

sábado, 28 de novembro de 2009

Retrato Falado


Sou etérea e sórdida
Profunda e rasa
Sou luz e escuridão
Sou medo e coragem
Cela e viagem
Sou toda contradição


Sou chegada e partida
O beco e a saída
O problema e a solução
Sou canção e silêncio
Calor e arrepio
Sou Inverno e verão

Sou sonho e pesadelo
Desprezo e apelo
Heresia e consagração
Sou risco e certeza
Afago e frieza
Sou loucura e pé no chão

E não se enganem comigo
Não conheço o perigo
Vou até depois de não mais suportar
Sou amor de momento
Desprovida de sentimento
Sou noite sem luar

O oposto do que presumiu
A verdade que nunca existiu
Sou a dor da traição
O atalho no caminho
Da rosa sou o espinho
Sou a doçura nos olhos de punhal na mão.

quinta-feira, 19 de novembro de 2009

REFÉM

É a vida então seu usufruto
afogada entre meio e extremo
sei só das coisas que escuto
do seu mel destilado em veneno.

Ela é fera e fada atrevida
persuasiva até com os ventos
coitados daqueles que não forem atentos
com a hóspede nela contida.

Não consegue disfarçar a ironia
da sutileza de seu uso e abuso
deixando um idiota sempre confuso
e assim goza de sua viril covardia.

Há uma estranha em sua morada
talvez simbiose, talvez possessão
feito máscara que foi fixada
é a dúvida, nem sim, nem não.

Voa Fênix, voa também Andorinha
sendo levada pela marcha do Carnaval
é um belo objeto do Bem e do Mal
que oferece a Maçã e a erva daninha.

E conveniente carrega um disfarce
o de ser compreendida por ninguém
mas está estampado em sua face
o olhar de socorro de uma refém.

segunda-feira, 9 de novembro de 2009

A hóspede


A hóspede

Ela desfruta dessa vida
como sedento saciando no poço
a sede da euforia incontida
sorrindo à garganta do fosso.

Ela anda carregada pela força
desses ventos litorais
com um caminhar faceiro de moça
apesar dos vividos carnavais.

Prefere dos extremos, o meio
apenas quando lhe convém
porque há nela um anseio
de ser compreendida por ninguém.

Carrega nos olhos uma doçura
dessas que a dor encurta
mas logo descobre quem procura
sua saliva de cicuta.

Ela não pede, ordena
com uma autoridade tão sutil
deixando em quem obedece a sensação amena
de que ela de fato pediu.

Dissimulada em pele lisa
enroscada e comovente
ela inocula em quem a pisa
o seu veneno de serpente.

Indiferente diante dos tombos
das costumeiras rasteiras da vida
vai se reerguendo sobre seus escombros
essa nix renascida.

Ela traz consigo um segredo:
a simbiose de demônio e querubim
e aceito servil esse degredo
de ela e eu morarmos em mim.

terça-feira, 13 de outubro de 2009

Anuência

A tão sedutor convite, poeta
não ousaria jamais declinar
mas adianto o sentimento que lhe afeta:
é o louco desejo de violar.

Profanemos assim os santos costumes
aceito seus ares respirar
mas prometa-me que sairemos impunes
depois de ao bárbaro nos entregar.

Terei que abrir mão de uma antiga interna ordem
para na satisfação clandestina mergulhar
os cães do preconceito,os calcanhares me mordem
de minha submissão espartana precisarei me livrar.

Permito-me agora o sujo e o inapropriado
quero no lodo do delito a alma macular
confesso-te o que há muito tenho guardado:
sempre quis no inferno dançar.

Certa de estar flertando livremente com o vil
saboreando o momento insano
celebro em êxtase a convicção que ruiu
morreu a hipocrisia, inauguro em mim o humano.

quinta-feira, 8 de outubro de 2009

Convite

Convite

Convido-te poetisa ao meu ócio
embriagando-nos no saudoso absinto
por não saber nem mais o que sinto
viajaremos então nos tragos do ópio.

Convido-te louca ao mundo da lua
a viver solenimente a hipocrisia
a fugir do marasmo dessa terra crua
e num dia de branco, respirar maresia.

Convido-te em risos para festas alheias
desnudos de toda vergonha assombrosa,
tiremos agora da moral as correias
e assim libertemos a virgem fogosa.

Vamos também zombar dos palhaços
deferir nossos versos em prol dos pecados
venha comigo escarrar no palácios
e delituosamente deixá-los irados.

Convido-te à morte de tudo que é são
e levar-te-ei num tango ao funeral,
se me recusares haverá um duelo então
e de só restará a carcaça animal.

quarta-feira, 30 de setembro de 2009

Frenesi

Tu queres que eu aceite o teu drama,
ou que desenhe o chão que tu pisas?
Ofereço-te os olhos rasos e brisas
mas sou volúpia que arde e inflama.

Que doa então a prazerosa mentira
pois não me excita a verdade tão crua,
sou pecado da luxúria à ira
de verdade quero tua entrega, quente e nua.

É tolice ansiar o desprezo
sê fiel ao que realmente fulgura,
é certo que por vezes deslizo
mas eterno é o minuto que dura.

Tu és pedra e eu a água que esculpe
que te banha ainda que tu te endureças,
não esperes que pelo mal me desculpe
pois eu sou tua melhor das sentenças.

Tua mente ao prazer é bloqueio
e não se engane buscando constância,
na dor e comédia é que eu te rodeio
mas se estátua, terás minha distância.

segunda-feira, 28 de setembro de 2009

Eupatia

Eupatia
Não quero tua complacência, nem tuas penas, apenas,
não quero olhos rasos, nem quero sua compaixão,
não quero palavras amenas,
me inaugurastes fria e de pés no chão.

Quero o axioma por mais que doa,
quero a expressão simples de quem ignora,
quero teu gesto mesmo que à toa,
mas quero tua verdade agora.

Ainda que a realidade não seja a desejada,
ainda que tua existência me despreze,
melhor que a dúvida velada:
é a certeza que me endurece.

E talvez quem sabe, empedernida então,
eu possa resolver tudo de uma vez:
clarear essa densa escuridão,
e, enfim, me curar do mal que você me fez.

Mas ainda insisto em minha ciropedia,
imagino-te meu, imagino-me tua,
e mesmo que te pareças minha dor uma comédia,
é essa minha instância etérea e nua.

terça-feira, 22 de setembro de 2009

Nocturna

Um pecado se acende no escuro
fulgaz entre os becos discretos
um trago e chama num leve sussurro
e entorpece futuros funestos.

A lua que assiste aos degredos
alumia o corpo dosado em luxúria
sua tez penumbrada em segredos
receosa calmaria ou fúria.

Brindes e drinques à sargeta
errante no êxtase insensato
liberta a sua abjeta faceta
nos desvairos dum orgasmo abstrato.

Sobe o aclive com os saltos na mão
cerrando os olhos à luz da alvorada
derradeiro gole de glória ou perdição
despede-se do dia, fugindo desonrada.

No aguardo da noite que desce
ficaria à espreita da escura redenção
mas o pecado que nasce também padece
e nem o Crepúsculo traz ressurreição.

segunda-feira, 21 de setembro de 2009

Noctívaga


Noctívaga

Quando a noite desce lambendo a cidade
criaturas escusas abandonam os abrigos
sombras se instalam sem piedade
e os postes focam no asfalto o perigo

Boca escarlate exibida com altivez
nas mãos carrega o copo cheio
faróis confundem a diminuta lucidez
o torpe e a razão a dividem ao meio

Olhos famintos convidam ao pecado
o corpo a mostra desperta o desejo
quem passou por ela diz ter sido marcado
quem provou seus lábios quer mais que beijo

Tropeços e sustos em muros pulados
labirintos tomados por guarda paralela
desmentem que à noite todos os gatos são pardos
deixam mais insana a busca que não é só dela

Com o salto quebrado em acidentada ladeira
encontra, enfim, nos becos o vício
queria a viagem e não viu fronteiras
sentidos em órbita e depois: suplício

Maculas e lágrimas enquanto o mundo dorme em paz
ela espera a aurora para sua redenção
ao se perceber incólume, ela jura: nunca mais
e ávida espera por mais um crepúsculo de perdição